quinta-feira, 28 de agosto de 2014

Crônicas - Ah! Se eu pudesse...

Se Eu Pudesse E Se O Meu Dinheiro Desse,  eu moraria em casa e não em apartamento. E dizem que choro de barriga cheia. O prédio é bom, um apartamento por andar, terraço enorme, jardineira (quase um jardim), cozinha de casa-grande (e de senzala não se pode chamar as dependências de empregada). No Espinheiro. E (não sei atém quando) com vista para o mar do Recife e Olinda. Ah!, vizinhos de primeira, primeiríssima. Mas, pode crer, se eu pudesse e se o meu dinheiro desse, trocaria tudo por um casinha pequenina (com um coqueiro do lado).
                Onde hoje é o prédio, era a casa de meu pai. Jardim, quintal e oitão dos dois lados. Não tinha um coqueiro não, tinha dois. Caju, manga, abacate, mamão, pitanga, goiaba e banana. E o que não tinha lá, tinha nos quintais dos vizinhos: sapoti, pinha, araçá, azeitona (daquela pretinha, que deixa a língua da gente azul), jabuticaba, romã (pra comer no Dia de Reis ), jambo,  cajá, fruta-pão...
                Eu sabia o número da placa da casa de todo mundo da rua. Hoje, não sei o andar de quase ninguém. Se quiser ser gentil, apertar o botão do elevador para um vizinho, tenho que perguntar o andar. E alguns são meus vizinhos há mais de 20 anos. Aqui pra nós, nunca visitei vizinho nem fui visitado. Há, entre os que moram em apartamento, um certo orgulho dessa besteira: “Vizinho? Só dou bom dia, boa tarde e boa noite.” Gente fina é outra coisa.
                A rua antigamente era uma festa. No São João, fogueiras. Era só a gente se chegar pra ganhar milho assado ou pegar um tição pra acender bicha de rodeio e peido de veia. Uma vizinha mandava canjica de presente pra minha mãe; outra pamonha. Minha mãe devolvia os pratos com pé de moleque, bolo de macaxeira ou munguzá.  Televisão era novidade, nem todos tinham. Fui, durante bom tempo, televizinho na casa de Dr. Figueira. E minha casa era central telefônica para ligações e recados.
                Já contei essas coisas todas ou quase todas aqui, em mais de uma crônica. E, sempre que der vontade (e saudade), conto de novo.
                Agora, mesmo, tô num rolo que só sabe quem mora em apartamento. Ou, se não sabe, um dia vai saber: infiltração. Danação no juízo! E o que é pior: dessa vez, ao que parece, sou eu que tô infiltrado o apartamento de baixo. Desde as sete da manhã (já são quatro da tarde), três homens trabalhando. O apartamento tá um pandemônio. Tiraram mais de 300 quilos de esterco e terra da jardineira.
                A crônica agora, caro leitor, é ao vivo. Escrevo enquanto eles tentam descobrir de onde vem tanta água. Peraí. Júnior, o mestre de obra, descobriu. E tá me explicando: “A coluna hidráulica, que esgota a água das jardineiras laterais do prédio, tá entupida justo aqui, no seu andar.”  Azar o meu. Mais meia hora de trabalho. E a água, finalmente, entrou pelo cano.
                Amanhã, sete da manhã, recomeça a brincadeira. Recuperar o forro do apartamento de Murilo, meu vizinho de baixo, impermeabilizar e refazer a jardineira. Haja terra! E Esterco!
                Ah!, se eu pudesse e se o meu dinheiro desse pra morar numa casinha num lugar minimamente decente e seguro! Mesmo sem ter a romã de Dona Aurélia para o Dia de Reis nem a canjica de Dona Hilda no São João.

Joca Souza Leão

(2013)

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