segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

Crônicas - Meu Príncipe Distante

   "Você pensa que não irei sentir saudades?"
 Assim ele me abraçou em lágrimas, quando de minha partida para Lisboa.
Da escada do avião, eu guardei sua última imagem, com os seus cabelos louros esvoaçando, acenando com as suas mãos. 
Foram dias e noites de ausência, percorrendo terras distantes, acalentado pela esperança do reencontro. No meu retorno, ele já não se encontrava à minha espera... Em seu lugar, apenas a lembrança de que fora passar longe suas férias de julho...
Resignado, esperei pelo prometido reencontro.
Agora, quando as aulas se reiniciam, a alegria dos escolares toma conta das ruas, recebo a notícia seca, via Embratel, de que o meu Pequeno Príncipe não mais voltará.
A casa tornou-se um deserto, as noites transformaram-se num poço de solidão. Já não existe razão para eu cedo chegar, quando ele não mais se encontra à minha espera.
A cama deixou de ser o seu barco de piratas; o quarto não é mais o seu centro de operações; meu corpo deixou de ser o seu cavalo, na mesa de trabalho, não mais encontro os rabiscos dos seus fantásticos projetos; na cozinha, as embalagens de ovos, leite e e biscoitos permanecem sem uso, ou aproveitamento, pela ausência de suas brincadeiras.
Não mais reencontro a sua imagem: cabelos louros, desgrenhados, espada desembainhada, montado no seu cavalo de cabo de vassoura, a pairar como um El Cid nos meus sonhos. 
Ele hoje está bem distante.
A tristeza tomou conta do seu quarto de brinquedos não mais brincados, cedendo lugar ao tédio e solidão.
Usando da burla e da má-fé, o egoísmo humano novamente roubou de mim o meu Pequeno Príncipe.
Longe, muito longe, ele guarda consigo a minha razão de viver e a doce emoção de voltar a ser criança.

Leonardo Dantas Silva
Julho de 1986.